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  • Foto do escritorRestauração Cultural

A força da moda

Atualizado: 18 de jan. de 2023

Este trecho de O diabo veste Prada vale o filme inteiro e é uma aula de modernidade. Gostava de citá-lo quando orientava em Design de Interiores para convencer os alunos a não pôr TV nos locais que projetavam. A justificativa era que "todos os locais da pesquisa de campo têm". É justamente por isso que um trabalho pensado deve ser diferenciado, para não fazer igual a todo mundo. Qualquer boteco da esquina tem TV e não precisou de um designer para isso.


A moda muda com frequência e em segundo lugar está o mobiliário. A moda muda a cada estação, comércios de "ponta", com "brand", costumam mudar seu ambiente em média a cada cinco anos.


O que importa aqui é que alguém decide. Pessoas decidem. Pessoas que nem sabemos que existem. Elas moldam nosso gosto e nossa forma de pensar, a cadeira que escolhemos para a sala de jantar, elas determinam se "usar broche está fora de moda", se é coisa de vovó. Elas fazem as lojas da Vinte e Cinco de Março terem apenas um modelo de vestido se a atriz magérrima usou aquele modelo na novela, e todos os tamanhos de mulher vão se enxergar como se fossem a atriz. Ou melhor, a personagem. Não tem espelho em casa? Tem claro, este espelho é a TV onde as pessoas veem seus desejos reproduzidos, aprendem as frases que devem reproduzir, como em Fahrenheit 451, e a massa se torna personagem-tipo, massa, todos são iguais, sempre o mesmo discurso, todos com a mesma aparência, como em Facial Justice, distopia de L.P. Hartley, sem tradução.



Gillo Dorfles, em A moda da moda, livro lançado no início dos anos 1980 (Edições 70, Lisboa), analisa cada aspecto da vida moderna sob a moda e, naquela época, anos 1980, ele já falava da "moda mendigo", do jeans rasgado usado por jovens europeus e que hoje, quase quarenta anos depois, é visto em todos os lugares para onde se olha. Quarenta anos para sair da Europa e fazer eco no espírito indigente da nação além-mar.



Essas pessoas estão por trás da mídia. Acima da mídia. Acima das universidades que estão, hoje, paralelas à mídia. Universidade que deveria mudar seu nome para "uniformidade", visto que este é o conceito que impera. Um dia, no passado, as universidades, quando existiam, estavam acima. Hoje as "uniformidades" recebem as diretrizes ao mesmo tempo que a mídia: basta olhar para constatar. Isto está claríssimo no livro A sombra do Kremlin, de Orlando Loureiro, que teve uma única edição em 1954 pela Editora Globo e deu o maior trabalhão para encontrar num sebo. Este livro explica como o Kominform, nome fantasia do departamento de propaganda do Comunismo Internacional, determinava, a partir de Moscou, quais eram as notícias que deveriam ser veiculadas em todo o mundo pelos jornais do partido e pelos jornalistas de qualquer empresa, mas filiados ao partido.


Reparem como Miranda, a "diaba" que escolheu a cor, vai descendo na escala, desde o ápice onde ela está, movimentando milhões de dólares nas indústrias de pigmentos e tecelagem, passando por estilistas da haute couture dirigida ao jet-set constituído de magnatas e príncipes, espalhando-se por menos de uma centena de estilistas menores que atendem às classes altas, descendo às lojas de departamento que atendem às classes médias até chegar nas liquidações das lojas populares, o lojão do Brás, a feirinha da madrugada, onde a moça comprou aquele "suéter horrível" para mostrar ao mundo que ela é importante demais para se preocupar com o vestuário.


Miranda sabe que todo mundo, toda apresentação pessoal é um discurso, e pessoas mais experientes percebem o temperamento, o jeito e o gosto do desconhecido só de "bater os olhos", exatamente como conhecemos o temperamento de um cão pela sua raça. É possível conhecer pelo tom de voz, pelo uso do vocabulário, embora poucos queiram dar atenção a isso. Cães têm faro e instinto aguçado, nós dependemos do desenvolvimento da nossa inteligência. Lembrando que, no Brasil, a cultura e a inteligência causam muito mais inveja que o dinheiro, pois elas indicam berço e não vão embora com o dinheiro.


A mesma coisa ocorre com as ideias. Elas saem de uma sala com poucas pessoas e vão se espalhando até as lojas de liquidação, as celebridades, onde a massa as compra achando que decide o que pensa. As hordas humanas compram as ideias que meia dúzia determinou que comprassem e não há nada que as demova do sentimento de que as ideias e as convicções são delas. Elas não querem olhar para os estilistas de ideias acima delas e comparar com outros, comparar com a moda ou as ideias de outras épocas, não querem questionar o porquê de dizerem que os "broches estão fora de moda" porque elas têm certeza de que estão certas e de que você, um santo de casa que não faz milagres, não pode ter a ousadia de saber mais que os desconhecidos especialistas da TV, por exemplo.


É o argumento de autoridade sem autoridade nenhuma, na verdade, é o argumento da celebridade, aqueles quinze minutos de fama que Andy Warhol previu para o futuro nos idos dos anos 1960: Everything is pop. Pop is everything.


Por isso, é perda de tempo tentar desmascarar lendas e mentiras, tentar convencer quem crê em frases de efeito que não se sustentam à primeira brisa de verdade.


O que é bom e verdadeiro sempre foi para poucos. E continuará sendo. E antes que eu me esqueça: a salvação da alma é individual, não coletiva.




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