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As paisagens de Leonardo

  • Foto do escritor: Restauração Cultural
    Restauração Cultural
  • 31 de ago.
  • 3 min de leitura

Leonardo da Vinci pode ter sido um suposto ateu, a ele alguns modernos atribuem o Santo Sudário. Na época em que o linho com a impressão da figura de Cristo retirado da cruz reapareceu em Florença, em posse da família Medici, Leonardo trabalhava para ela. Daí supor que, com seus conhecimentos químicos, pudesse ter feito a peça. No entanto, trata-se muito mais de uma impressão fotográfica do que de pintura, e por mais que Leonardo conhecesse muitas técnicas e muitos materiais, se tivesse realmente inventado a fotografia, esta não esperaria três séculos para reaparecer como o daguerreótipo.

 

Por que não? Porque as invenções de Leonardo foram amplamente difundidas. Na época, ele era muito mais disputado como engenheiro militar do que como pintor, foi ele o inventor do forte estrela que não deixa pontos cegos nas torres. Na Idade Média, os castelos costumavam ter torres redondas, e ao prolongar as torres em ângulo, o ponto cego deixava de existir, aumentando a proteção e a visibilidade. A engenharia militar portuguesa construiu o Forte dos Reis Magos com tais prolongamentos.

Forte dos Reis Magos, em Natal, RN, 1614
Forte dos Reis Magos, em Natal, RN, 1614

Ainda quanto à suposição de ter sido ele o criador da imagem no Santo Sudário, afirma-se que apenas um ateu, sem temer as consequências da vida futura, poderia criar algo para manipular uma sociedade francamente católica.


A meu ver, a afirmação cai por terra ao observar e comparar com detida atenção as paisagens presentes em suas pinturas. Embora o Renascimento não tenha obras com paisagens sem a figura humana, elas existem no fundo, chegando ao horizonte, em várias de suas obras. Algumas tem fundo escuro, pois ele, como outros artistas, utilizava a câmara escura para o desenho e para destacar detalhes da coloração.

Nos retratos das mulheres de sua época onde se encontra uma paisagem, ou nas representações mitológicas, a paisagem é amena e verdejante, tipicamente renascentista.


Retrato de Ginevra de' Benci (1510-15)
Retrato de Ginevra de' Benci (1510-15)
Leda (1474-46)
Leda (1474-46)














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As Madonas, no entanto, têm todas paisagens dignas de filmes de ficção científica que mostram planetas inóspitos e hostis.

Mona Lisa (La Gioconda) c. 1503-5.
Mona Lisa (La Gioconda) c. 1503-5.

A Monalisa parece ter a paisagem incompleta quando comparada às outras pinturas: nem a graciosidade da paisagem de Leda e Ginevra, nem o abismo árido da paisagem das Madonas que veremos abaixo. As pinceladas são inconclusas.

 

O retrato da senhora Lisa foi encomendado por seu marido. Após três anos e tudo pago, o artista não entregava a obra, que dizia ainda não estar pronta. E o marido pôs a polícia atrás de Leonardo que, sem delongas, aceitou o convite do rei da França, Francisco I, para trabalhar em sua corte, levando a pintura para algum dia entregá-la ao zeloso marido. Após sua morte, sem herdeiros, o que Leonardo levara para a França passou a fazer parte do tesouro francês.

 

 

Detenha-se, caro leitor, nos detalhes das paisagens das Madonas. Nem de longe aparentam as bucólicas montanhas italianas aprazíveis à agricultura e ao dolce far niente.

A Virgem e a Criança com Santa Ana (1510)
A Virgem e a Criança com Santa Ana (1510)

Todas as pinturas de Madonas apresentam um abismo com vista para montanhas escarpadas e estéreis, contrastando com o doce carinho entre Nossa Senhora e o Menino Jesus. Como se Leonardo, o suposto ateu, opusesse a bem-aventurança do Paraíso ao vale de lágrimas representado por um mundo ameaçador e nada acolhedor.

 


Madonna Litta (c. 1490-91)
Madonna Litta (c. 1490-91)






Um suposto ateu não falaria tão bem com seu pincel. Leonardo dizia que o artista deve captar o estado de alma do retratado. As paisagens de Leonardo captam a alma do mundo e a idealização desejada do mundo em que ele vivia; o regozijo do Paraíso versus a realidade inclemente.

A Madonna da Encarnação (1478-80)
A Madonna da Encarnação (1478-80)

A Virgem do Rochedo (1483-86)
A Virgem do Rochedo (1483-86)

Por Lucília Coutinho

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