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  • Foto do escritorRestauração Cultural

Equilíbrio precário

As novidades que a mídia divulga sobre novos comportamentos e moda (crianças sem o registro do sexo na certidão de nascimento, homens que usam saia, eliminação dos gêneros gramaticais em várias instituições etc.) têm o intuito de convencer que são reais e verdadeira febre entre 99% da população, só você está por fora e deve integrar-se urgentemente. Como boa revolucionária, a mídia usa de forma inversa o que foi criado pela tradição e vou tentar exemplificar de forma breve (ou quase breve).


Na obra abaixo, Parnassus, de Raffaello Sanzio, uma das pinturas do Alto Renascimento, o artista retrata a morada do deus Apolo e das Nove Musas, local para onde os artistas e poetas vão após a morte. Ali ele une poetas de todas as épocas (da mesma forma que Escola de Atenas reúne filósofos de vários séculos diferentes numa única cena), de Safo e Homero até Petrarca, Dante e Boccaccio. O local é um paraíso, é a idealização da perfeição da arte, da liberdade artística ao som da música do próprio Apolo no centro da pintura.

Rafaello Sanzio, Parnassus, 1509-10.

A época em que se deu o Renascimento (1420-1527), principalmente o Alto Renascimento (1490-1527), não foi um momento de absoluta paz, houve muitas guerras entre principados, repúblicas, reinos. A época de calmaria e desenvolvimento artístico que erroneamente nos afirmam nas escolas não foi bem assim, foi antes idealização. Mesmo porque a expressão artística foi ininterrupta nas mais variadas formas durante toda a Idade Média, mas se algo sofria um revés aqui, ele florescia acolá.


O mundo tranqüilo e agradável, com ajuste perfeito de luz e temperatura emoldurados pela delicadeza da proverbial paisagem italiana não existia. Era apenas um desejo dos artistas: idealização. Obviamente que havia momentos de calmaria e lugares lindos, mas a serenidade não era a constante durante o período de cem anos. O Renascimento, como nos é falado, ocorreu para, chutando alto, uns 10% da população de então, a maioria nem sabia que existia.


Os camponeses podiam até freqüentar, se quisessem, a escola paroquial na simplicidade monástica da antiga basílica românica, sem afrescos arrebatadores, e a maioria nunca viu a grandeza da Basílica de São Pedro, sequer havia cadeiras nas casas rústicas, apenas bancos, não havia lareira, era o fogão que também aquecia, nem todos viviam nos palazzi com pisos de mosaico de mármore colorido e quase ninguém posou para um artista enquanto músicos dedilhavam as cordas para não entediar o retratado.


Da mesma forma, a mídia de hoje, porta-voz da revolução, cria seu mundo plano para esmagar a naturalidade, sem gêneros gramaticais, ou de falsos contrastes com vilões brancos perseguindo jovens negros, de solitárias mulheres empoderadas, de anti-heróis fracos e vitimistas que usam saia e coque enquanto protestam contra a queima imaginária de florestas. A maioria da população sequer sabe que isso existe.


Estas abstrações excepcionais impostas como regra são forjadas nos laboratórios da mídia que ficam muito, muito a dever aos ateliês dos antigos artistas que, ao contrário da mídia, observavam a natureza, as pessoas e o mundo. Jamais os artistas renascentistas pensaram em moldar a realidade, somente seu anseio pela beleza fez com que idealizassem uma janela para outra realidade. A mídia, em contrapartida, trabalha para moldar o imaginário coletivo fantasiando a paulatina destruição do mundo que herdamos, impondo toda a insensatez revolucionária contra a civilização construída ao longo de milênios, divulgando como realidade o que não passa de devaneio.


Ao atingir pessoas com possibilidade de ecoar as exceções como se regras fossem, tem-se a impressão de que tudo é assim. Não é, mas a repetição constante, com grande alcance, pode tornar o precário equilíbrio em caos, pois causa insensibilidade ante o que é nocivo, tolhendo as possibilidades de reação a ponto de, um dia, abraçar-se tudo o que é pernicioso como válido e correto, como verdadeiro e bom. Tudo depende se aceitaremos ou não sermos moldados como barro macio nas mãos dos que desejam a destruição do mundo e das tradições.

 


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