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  • Foto do escritorRestauração Cultural

Viver por vontade

Li alguns livros nos dois últimos meses, enquanto o Brasil sofria de ansiedade. Nada que esteja nas mãos de terceiros, do sistema ou que dependa de orações pode se concretizar, até porque algum benefício depende da graça divina que menos ainda depende da ação humana.


Os livros que li falam justamente da ação humana (não foi Ação humana de Mises), das boas e das más.


O Farmacêutico de Auschwitz, de Patrícia Poesner, indicado pelo Brambilla Frederico Sartori, fala não apenas do "convênio" entre nazistas e indústrias farmacêuticas usando seres humanos como cobaias nos mais horríveis experimentos, mas das consequências para as vítimas. A indústria da engenharia também utilizou vítimas (cobaias) humanas para testar em que ponto o corpo e a cabeça de um ser humano arrebentam sob pressão. Sem contar as experiências com crianças, principalmente gêmeas.


Mas não para por aí.


Só em Auschwitz, 35 kg de ouro eram "garimpados" por dia dos prisioneiros que não paravam de chegar. Ouro extraído dos bens que levavam (quando eram transportados, avisavam que cada um podia levar até 50 kg de bagagem, logo levavam o que tinham de mais precioso que era imediatamente confiscado) e dos dentes: após retirarem os corpos mortos das câmaras de gás, vasculhavam as bocas atrás de dentes de ouro. Havia malas com dentes de ouro que posteriormente, juntamente com carteiras, cigarreiras, joias, eram derretidos e transformados em barras, ocultando sua origem.


Além disso, usavam os cabelos das vítimas para enchimento de colchões e fios para meias de inverno para os soldados.


As propriedades imobiliárias das vítimas eram confiscadas e redistribuídas como "justiça social", afinal, o mote nazista era que a Alemanha ia mal por culpa de uma suposta exploração judaica.


Nenhum daqueles assassinos achava que estava fazendo o que era certo, pois quando da derrota iminente, a primeira atitude foi apagar as provas que os incriminavam, mas a indústria da morte era tão violenta, que foi impossível apagar.


Só que a história não termina aí, pois existe o julgamento das atrocidades e, diferente do que pensamos sobre o famoso e ilibado "julgamento de Nuremberg", um monte de assassinos foi deixado de fora do julgamento. Stalin mandou fuzilar 50 mil alemães sob seu poder alegando que eram criminosos, mas a verdade, contada em outro livro, O museu desaparecido de Hector Feliciano, é que os comunistas roubaram os bens que os nazistas roubaram dos judeus assassinados e não queriam devolvê-los; logo, mata-se alegando uma dissimulada justiça. Até as bibliotecas das vítimas foram roubadas, como contado em Ladrões de livros, de Anders Rydell.


Mesmo deixando de fora muitos assassinos, pouquíssimos foram condenados à morte. As penas eram risíveis, de fazer inveja à progressão de pena: nove anos, saindo em dois, pois, como estamos acostumados a escutar, as vítimas não voltarão à vida, os criminosos precisam de uma segunda chance e não podem conviver eternamente com a culpa...


Capesius, o farmacêutico que roubou muito ouro das vítimas, foi a julgamento e pouco cumpriu pena. Em sua primeira aparição pública após sair da cadeia, num espetáculo de música, foi reconhecido pela plateia e aplaudido em pé.


Para compreender-se (não justificar, mas entender) tanta aberração, é preciso ler Hitler e os alemães de Eric Voegelin. É fundamental compreender a alma do mal. Compreender para combater.


Fica por aí?

Nem pensar.


O Daniel Novelli Pagotto me indicou o espetacular Levante-se e mate primeiro de Ronen Bergman, que conta a história do Mossad. Mossad, um nome que ficou famoso all over the world, significa apenas "Instituto" em hebraico. Há outros dois livros sobre o Mossad (Mossad, os carrascos do Kidon, de Eric Frattini, politicamente correto porque fala dos "supostos inimigos de Israel", quando seus inimigos são declarados com promessa de aniquilação, e Mossad, as grandes operações do serviço secreto israelense, de Michael Bar-Zohar, que detalha várias das operações em Levante-se...).


Levante-se e mate primeiro vem da sabedoria talmúdica que diz: "Se alguém vem matá-lo, levante-se e mate primeiro". A história do Mossad é a história de Israel. E a história de Israel começa bem antes de 1948, quando da criação do estado com suas fronteiras delimitadas. Começa com os pogroms na Rússia czarista, com o caso Alfred Dreyfus, injustamente denunciado e condenado, começa com um jornalista franco-judeu que, por conta de todos os episódios de perseguição, é o primeiro a falar publicamente da necessidade de um Estado judeu. Isto acende a luz e judeus de vários países da Europa mudam-se para a antiga Judeia: lembremos que o nome da região foi Judéia mesmo após a guerra romano-judaica perpetrada por Tito no ano 70, sendo, por decreto do imperador Adriano, mudado para Palestina (com origem em filisteu) com mais perseguição e consequente dispersão do povo judeu.


Levante-se... tem 1200 páginas que valem cada linha. Todas as operações narradas são emocionantes e, ao terminar, com o incrível Meir Dagan, tive a sensação de ter perdido um amigo. Raros livros me impressionaram tanto, sempre ficção, como Le rouge e le noir e Le père Goriot. Mas este não é ficção, é maravilhosamente, às vezes dolorosamente, real.


A história de Israel se entrelaça com a história do Mossad e das outras agências de inteligência do País (sim, há três principais, o Mossad, que cuida das coisas fora do país, o Shin Bet, que combate o terrorismo interno e nas fronteiras, e a Sayret Matkal, que é a inteligência das Forças Defensivas de Israel (FDI), e outras subsidiárias).


Geralmente aprendemos história com uma visão "política" e "ideológica" que alguns supostos sábios chamam de "sociológicas", mas sempre burocráticas. A história da arte, do design e do mobiliário que, modéstia às favas, conheço bem, ensinou-me muito mais da ação humana que a insossa história da política cheia de chavões de propaganda, isto é, mentiras. Sempre penso que Platão estava muito certo em querer expulsar os poetas de sua República, pois os poetas eram os bardos, os jornalistas da época, os que levavam e traziam as news da época "interpretando-as", os caras que mais falam mentiras, pois foi baseada em mentiras a morte de Sócrates.


Antes da formação de Israel, os judeus na dita Palestina (a Judeia que teve o nome mudado por decreto imperial romano) compraram terras para se estabelecerem e, após os horrores da segunda guerra, lutaram para ter um país. Desde a queda do poderoso Império Turco-Otomano, ao fim da I Guerra Mundial, a região estava sob o Império Britânico que proibia aos judeus terem armas e eles eram com frequência massacrados pelos árabes da região, visto que havia muitos mandatários britânicos anti-semitas. É aí que surgem as forças de reação, antes do nascimento do próprio estado.


Quando vem a II Guerra, ouve-se falar da forte perseguição aos judeus na Europa, Hitler até esteve com o Mufti de Jerusalém que, dizem algumas fontes, mas não este livro, foi quem sugeriu a "solução final", tanto que só após o encontro de Hitler com o Mufti, após 1941, é que os judeus passaram a ser enviados para os campos de concentração.


Os judeus da Palestina forçam a barra com o exército britânico para fazerem parte das forças que vão atuar na Europa. Tanta foi a insistência que os britânicos cedem. Já havia conhecimento dos campos de concentração, mas são as tropas judaicas as primeiras a fazerem relatórios reais do que de fato acontecia. Se os próprios judeus não se importassem, quem se importaria? Depois o mundo acordou, mas a Alemanha com aquela má vontade de punir seus criminosos.


Finalmente, a ONU vota pela existência de Israel que ocorreria dali a seis meses. Só pela votação, o ainda embrião Israel é atacado pelos árabes, reage e vence. Ben Gurion teve conhecimento e tinha muita consciência do relatório da CIA que dizia que, assim que formalizado, Israel seria atacado e em poucos meses destruído pelos árabes que eram contra a existência do estado judeu. Não aceitaram a criação de um estado palestino e não aceitavam nada que não fosse só eles mesmos.


Dito e feito: assim que criado, os países árabes atacaram Israel que nem força aérea tinha e sequer teve ajuda externa. A despeito de todas as previsões de destruição pelos serviços de inteligência do mundo, Israel sobreviveu porque tinha vontade de viver. Sobreviveu e venceu. Ben Gurion, um dos maiores estadistas que já pisaram este planeta, sabia que não podiam contar com ninguém. Não podiam esperar ajuda da América ou da Inglaterra. Parece até que "deixaram" criar o estado de Israel para que fosse destruído em pouco tempo e varressem todos os horrores para debaixo do tapete, como sempre ocorre. Mas a lúcida consciência de se estar só e enfrentar esta terrível realidade de solidão deu-lhes os meios de reagir: meios intelectuais. E reagiram a ponto de transformar o deserto em pomar.


Um episódio do livro é o caso Eichmann, o burocrata chefe da logística dos transportes e assassinatos. Episódio que faz parte do famoso livro de Hannah Arendt Eichman em Jerusalém: A banalidade do mal, e também dos livros sobre o farmacêutico de Auschwitz. Eichmann foi reconhecido por um sobrevivente em Buenos Aires, trabalhando numa montadora de automóveis. O sobrevivente alertou o promotor Bauer, que resolveu reabrir, na Alemanha, os processos contra os nazistas que estavam varridos para debaixo do tapete (não teve muito sucesso, a tal da progressão de pena, o tal do desencarceramento). Bauer, lidando com a realidade de que a esmagadora maioria dos juízes havia atuado na justiça do Terceiro Reich, sabia que Eichmann escaparia ileso e comunicou o estado de Israel. E assim se dá a caça a Eichmann que é capturado, julgado e condenado, mas enforca-se na prisão, é cremado e tem suas cinzas jogadas no mar, fora das águas territoriais de Israel.


Muitas lições ficam destes livro (e de todo bom livro).

A primeira é que estamos sós. Ninguém se importa com nosso destino a não ser nós mesmos. Há outras. Basta ler bons livros.


***

Este é o portão mais famoso do mundo, o do campo de concentração de Auschwitz.

Acima, três caças F-15 das Forças Defensivas Israelenses, em 4 de setembro de 2003.

O comandante da Força Aérea Eliezer Shkedi distribuiu a foto para vários oficiais Israelenses e escreveu:

"A Força Aérea voou sobre Auschwitz em nome do povo judeu, do Estado de Israel e das FDI. Para lembrar e jamais esquecer que só podemos contar conosco."


A história do Estado de Israel é repleta de coragem, determinação, inteligência, muitas lágrimas, perdas, vitórias. E a nítida convicção de não poder contar com ninguém, como várias vezes demonstrado em sua história.


Um exemplo sem par de bravura e dignidade.

Long live Israel!




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